Em 2010, pedi demissão do meu emprego e resolvi viajar o mundo.
No meu primeiro ano internacional, não tive grandes mudanças no comportamento.
Eu ainda era aquele brasileiro que chamava o amigo de veadinho por beber caipirinha de morango, que tentava beijar as gatas à força na balada, que compartilhava orgulhoso as técnicas para pegar o metrô sem pagar ticket, que dirigia o carro alugado mesmo depois de ter bebido mais do que o limite permitido, que falava alto no restaurante sem imaginar que existiam outras pessoas ao lado…
… enfim, acho que não preciso dar muitos exemplos, vocês sabem do que estou falando.
E o curioso é que tudo isso parecia normal (é só ler os posts antigos deste blog).
Afinal, na minha vida inteira de “brasileiro”, todos meus amigos fizeram isso.
E se todos ao meu redor fazem, então é porque pode fazer. Não é?!
Como eu jamais havia sido repreendido por esses comportamentos, não cheguei a parar para refletir se de fato o que eu fazia estava certo ou errado.
E é aí que entra o incrível ciclo da vida.
Quando você finalmente resolve refletir
Os ciclos da vida são responsáveis por mudanças completas em tudo que pensamos e fazemos.
Eles geralmente aparecem depois de um choque emocional, como a perda de alguém que você ama, com algum risco de morte pessoal, pela mudança das pessoas que você convive ou então viajando e conhecendo novas culturas.
(engana-se quem acha que somente o passar dos anos vai fazer você evoluir, fazendo sempre as mesmas coisas, com as mesmas pessoas, nos mesmos lugares)
E aí as coisas começam a fazer sentido:
O que você fazia antes, e achava certo, de uma hora pra outra descobre que estava errado. Muito errado.
E nossas ignorâncias começam a se tornar conhecimentos.
E evoluímos como seres humanos.
Hoje, depois de 8 anos vivendo pelo mundo, eu consigo olhar para trás e reconhecer todos aqueles comportamentos que eu tinha, e achava legal ter.
O grande problema? Não era legal.
Eu era um verdadeiro idiota, rodeado por outros idiotas que faziam a mesma coisa.
O machismo oculto no comportamento dos homens brasileiros
Recentemente, tivemos um episódio onde brasileiros foram expostos em um vídeo na Rússia, durante a Copa, sacaneando uma garota local com palavras divertidas aos olhos brasileiros, mas extremamente vulgares aos olhos de outras culturas com maior nível de educação.
Na hora eu pensei: caramba, que cagada esses caras estão fazendo.
Porém, se fosse 8 anos atrás, quando eu ainda não sabia diferenciar o certo do errado (em uma visão ampla, e não regional), eu poderia também estar nessa roda de ingênuos viajantes.
Viajantes que acham que o comportamento que aprenderam no Brasil, é o correto.
Em inglês, existe uma pessoa “educated” e uma pessoa “polite”. A diferença é que o educated é a pessoa com boa formação educacional, e polite é a pessoa educada na questão comportamental.
No Brasil, nós temos apenas a palavra “educado”.
Se você analisar o perfil desses caras que se ferraram na confusão, eles certamente são educados. Mas somente na questão educacional.
A verdade é que o brasileiro jamais aprendeu a ser polite.
Se você disser qualquer palavra discriminatória no Canadá, em voz alta, e alguém ouvir, possivelmente eles vão 1) Te olhar feio, 2) Te dizer que isso não se faz ou 3) Chamar a polícia.
Não é legal criticar a opção de uma pessoa em qualquer lugar do mundo. Exceto no Brasil, terra do whatsapp com imagens comparativas de coisas “raíz X nutella”.
A verdade sobre esse episódio, é que esses caras não são má pessoas.
Eles são burros.
E a mesma ignorância deles, está no sangue de 99% do restante da população, que simplesmente segue um comportamento que aprenderam ainda quando criança, sem nunca refletir a respeito se ele está errado.
Nós achamos um absurdo ver chineses matando cachorros para comer a carne. Mas adoramos comer um carré de cordeiro.
Da mesma forma que o chinês nasceu com essa cultura, e nunca refletiu a respeito se é certo ou errado, nós fazemos exatamente o mesmo. Comemos, adoramos, e não refletimos.
(e é claro, temos sempre 50 motivos na ponta da língua para provar que estamos certos)
Nós também achamos muito bacana ver aquele amigo com um carrão novo, e sair pra dar uma volta com ele pra chamar atenção das gatinhas. Mesmo sabendo que o carro foi comprado pelo pai dele depois de cometer dezenas de atos criminosos.
E mandar pra frente os vídeos daquela moça da sua cidade que aparece em uma cena de amor com o namorado, em um celular que foi pro conserto e acabou caindo nas redes sociais? Nós não pensamos duas vezes antes de mandar pra frente no whatsapp, e ainda adicionar um print do perfil dela no face, pra mostrar que ela existe de verdade.
Ou então fazer uma piada no grupo da faculdade, mandando a foto com um rapaz no fumódromo da faculdade, e a frase: “Achei esse escravo no fumódromo. Quem for o dono avisa!”. Isso é só uma brincadeira, não é?
Se todo mundo faz, não preciso questionar se está certo.
Como identificar quando estou errado?
Acho que essa é uma das melhores coisas de ser viajante: poder absorver várias culturas diferentes, e refletir sobre o que é certo X errado, em uma esfera internacional.
Existe um termo chamado TCK (Third Culture Kid), para quando uma pessoa foi criada em vários países distintos (por exemplo filhos de diplomatas).
O destaque no crescimento dessas pessoas, é que depois de presenciar a diferença comportamental em várias culturas, elas acabam criando sua própria definição de “comportamento adequado”.
“Pô, mas eu nasci no Brasil e morei a vida toda na casa dos meus pais, como vou saber o que é aceito lá fora ou não?”
Para que você não caia na mesma cilada que esses pobres coitados caíram com uma brincadeira boba, comece refletindo sobre seus comportamentos no dia a dia.
Quando você consegue abrir a mente para um deles, é um verdadeiro efeito dominó, você vai descobrir tudo que fazia de errado, simplesmente pelo fato de não refletir a respeito.
Reflexões como:
- Tratar mulher como objeto, é certo?
- Querer amadurecer morando na casa dos pais, é certo?
- Pagar propina em diferentes situações, é certo?
- Dizer que uma pessoa branca é melhor que uma pessoa negra, é certo?
- Criticar quem torce para um time de futebol oposto ao seu, é certo?
- Acreditar que sua religião é a única do mundo, é certo?
- Opinar sobre a opção de uma pessoa por seus gostos pessoais, é certo?
- Comer um tipo específico de animal mas outro não, é certo?
- Acreditar que o seu político é mais honesto que o dos outros, é certo?
- Compartilhar fotos íntimas de outras pessoas pelo whatsapp, é certo?
- Tentar se dar bem enquanto os outros seguem as regras, é certo?
Se você identificou que algo não é certo, mas convive com pessoas que ainda não chegaram à essa reflexão, mude de turma. Existem 7 bilhões de pessoas no mundo.
A nossa evolução interna só acontece quando de fato nós conseguimos eliminar aquela velha opinião formada sobre tudo.
E para isso, nada melhor do que conviver somente com gente como você: que conseguiu sair da caixa e deixou de lado o comportamento regional em que foram criados.
Comportamento esse que, claramente, não vem dando muito certo.
E quando isso acontecer, e você começar a evoluir:
Seja bem-vindo à uma nova era.
Disclaimer: este post é uma auto-reflexão e crítica a um tipo de comportamento específico encontrado com maior % em homens brasileiros, mas existentes sim em qualquer outra cultura, raça ou nacionalidade, inclusive no meu próprio passado, que felizmente venho corrigindo.
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